As erupções nos Açores “vão acontecer” — e podem ser piores do que a de La Palma
O vulcanólogo José Pacheco garante os sistemas vulcânicos do arquipélago estão serenos. Por enquanto.
Há precisamente 64 anos, a população da ilha do Faial, nos Açores, acordava sobressaltada com as explosões submarinas do vulcão dos Capelinhos. O fenómeno que durou quase um ano, forçou muita da população a emigrar e alterou radicalmente o futuro da ilha. Tivesse a erupção acontecido em terra, o cenário “seria muito semelhante” ao que vemos no Cumbre Vieja, nas ilhas Canária, explica à NiT José Pacheco, vulcanólogo e diretor do Instituto de Investigação em Vulcanologia e Avaliação de Riscos
O choque entre o magma e a água do mar criou uma erupção mais explosiva, que provocou mais cinzas que, acumuladas em camadas densas sobre os terrenos de cultivo, arruinaram o sustento de muitos dos faialenses. Serão poucos os que ainda se recordarão dos acontecimentos dramáticos desse ano negro no Faial, mas as notícias que chegam de Espanha reacenderam velhos pesadelos na região portuguesa com maior atividade vulcânica.
Ao oitavo dia da erupção e entre momentos de acalmia e outros mais explosivos “que são típicos e esperados”, o especialista acredita que ainda não vimos tudo o que este vulcão tem para mostrar. Di-lo baseado sobretudo no historial — cujas durações das erupções se fixam entre os 24 a 84 dias — e no tipo de erupção que é “o mais comum verificado na superfície terrestre”.
O regresso à atividade do Cumbre Vieja reacendeu a discussão sobre um modelo teórico que, em 1999, imaginou um colapso de parte da ilha que provocaria um megatsunami altamente destrutivo. Um “interessante exercício académico”, explica o vulcanólogo de 54 anos, mas “modelado com base nos piores pressupostos possíveis”.
O cenário em que um enorme bloco da ilha deslizaria pelo fundo oceânico — e que provocaria o tsunami — depende de “pressupostos que atualmente não se verificam”. “Nada do que se assiste neste momento aponta para que isso seja sequer uma possibilidade” a não ser, ressalva, que exista uma “mudança drástica”.
Sem nunca assentar as afirmações em certezas absolutas, o trabalho de José Pacheco e do instituto é precisamente o de, através de vários métodos, encontrar padrões, tentar prever cenários mesmo que, admite o próprio, existam casos “completamente imprevisíveis”.
“As erupções não são um fenómeno assim tão raro, se pensarmos que nos Açores assistimos a 27 ou 28 erupções em cinco séculos. Não é assim tão pouco”
Outro exemplo de imprevisibilidade? O caso dramático da erupção explosiva do Monte Santa Helena, nos Estados Unidos, em 1980, que surpreendeu tudo e todos com uma coluna eruptiva horizontal.
Com um saldo de 57 mortos e mais de três mil milhões de euros em danos, foi considerada a mais desastrosa erupção vulcânica no país. E segundo José Pacheco, não só é perfeitamente provável que os Açores venham a enfrentar uma situação semelhante à que enfrenta La Palma, como um cenário explosivo como o do Monte Santa Helena pode também ser replicado no arquipélago.
Apesar de notar que atualmente, não há “nenhum sistema vulcânico que mostre sinais de reativação”, os existentes e que não estão extintos — exclui-se o sistema de Santa Maria — “têm capacidade para produzir erupções no futuro”. Não é mera possibilidade. “Vão certamente produzir novas erupções.”
“As erupções não são um fenómeno assim tão raro, se pensarmos que nos Açores assistimos a 27 ou 28 erupções em cinco séculos. Não é assim tão pouco”, revela, embora note que quase metade foram submarinas e, portanto, não só foram menos destrutivas como algumas até passaram despercebidas a olho nu.
Com a certeza incómoda em mente de que Açores e Portugal terão eventualmente que enfrentar uma erupção como a de La Palma, o vulcanólogo faz um exercício de previsão pouco animador.
“[Uma futura erupção] provavelmente seria mais semelhante à do Cumbre Vieja, mas isto é apenas assente em dados estatísticos. Nada nos diz que o próximo vulcão a acordar seja destas características”, refere. “Podemos ter um vulcão como o do Fogo, das Furnas ou das Sete Cidades, que são vulcões de outro tipo, muito mais explosivos.”
No registo histórico do vulcão das Furnas, em São Miguel, está precisamente uma erupção explosiva com “magnitude semelhante à do Santa Helena”, com cerca de “um quilómetro cúbico de material produzido”. Um fenómeno que ocorreu “há mais ou menos dois mil anos” ou, em linguagem de geologia, “como se tivesse acontecido ontem”.
Os três vulcões de São Miguel são, aliás, capazes de “produzir erupções explosivas bastante superiores à das Canárias”
Os três vulcões de São Miguel são, aliás, capazes de “produzir erupções explosivas bastante superiores à das Canárias”. Estes fenómenos explosivos criam plumas de cinzas maiores, mais altas, com detritos em maior quantidade. Mas também são capazes de erupções mais leves.
“Há um espectro”, sublinha Pacheco. “Baseado nessas observações, podemos dizer que poderemos ter uma erupção ainda maior do que o Santa Helena, ou eventualmente menor, como as últimas duas que se verificaram. Sendo certo que mesmo assim, foram todas mais explosivas do que o de La Palma.”
Qualquer um destes cenários seria altamente destrutivo para a ilha com mais de 130 mil habitantes. E é um perigo que não se restringe apenas a São Miguel, mas que se estende “a outros sistemas vulcânicos dos Açores”, explica o especialista, que aponta para os exemplos do Faial ou da Terceira.
Além destas potenciais erupções explosivas, existe também um risco de erupção semelhante ao das Canárias “na zona dos picos entre as Sete Cidades, o Fogo e norte de Ponta Delgada”, uma área “pontuada por pequenos cones vulcânicos” que resultaram de atividade semelhante à de La Palma.
Com tantos habitantes em áreas tão pequenas, uma erupção seria sempre dramática. Juntando a este cenário a inevitabilidade do acontecimento, resta uma única solução: a preparação. Mas será que estamos preparados?
Embora “haja estudos sobre a exposição ao risco das várias ilhas”, não é possível antever quais as zonas de maior risco, já que isso “depende do tipo de erupção”. Contudo, a dispersão de cinzas pode ser suficiente para que, “com poucos milímetros de acumulação”, se tenha que encerrar os aeroportos à aviação comercial.
“Ao estarmos em ilhas e dada a pequenez da dispersão territorial, isso faz com que tenhamos sempre agregados populacionais e atividades económicas importantes à volta dos vulcões”, explica o vulcanólogo sobre os riscos e as dificuldades do planeamento territorial.
Apesar de reconhecer que o foco deve estar nas infraestruturas determinantes de cada ilha — hospitais, portos, aeroportos —, refere também que eles foram, na sua maioria, construídos antes de implementados os sistemas de vigilância e de estudo vulcânico como o do IVAR.
“[O perigo] devia ser tido em conta na criação destas infraestruturas, mas uma boa parte delas foi criada muito antes de termos consciência do risco. Em São Miguel, por exemplo, os portos e aeroportos estão feitos há mais tempo do que foi criado o instituto ou foram feitos estudos de vulcanologia que nos permitissem escolher outros locais.”
A beleza das ilhas traz consigo esta espécie de lotaria sinistra. Resta aos vulcanólogos manterem o olhar atento a todos os potenciais sinais de atividade — algo que decorre “24 horas por dia, sete dias por semana”, nota José Pacheco — e esperar que, no dia em que a erupção chegue, a Natureza seja benevolente. “Mas que vai acontecer, isso é seguro. Pode é não ser na nossa geração, mas vai acontecer.”
Fonte: Nit
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